Feliz quem tem uma PEDRA em SAGRES

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O Promontoruim Sacrum | Cabo de São Vicente | Referências Clássicas

O “Megalitismo” do Cabo de São Vicente nas fontes clássicas: Ephoro, Artemidoro, Estrabão, Frei Bernardo de Brito e Estacio da Veiga

Parte ocidental da Península Ibérica, segundo a Geografia de Ptolemeu editada em Ulm (1482).

Por Sebastião Philippes Martins Estacio da Veiga


VEIGA, E. da (1886) – Antiguidades Monumentaes do Algarve - Tempos Prehistoricos, vol. I. Lisboa: Imprensa Nacional, p. 96-99.

Cabo de S. Vicente (Vol. I p. 96-99)
«Artemidoro, escriptor grego, contemporaneo de Strabão e de Cesar, por ter visitado a orla maritima sul-occidental da Europa1, negou a existencia de um templo dedicado a Hercules, de que Ephoro dava noticia no Promontorio Sagrado (Cabo de S. Vicente). Como testemunha ocular, referiu não haver templo algum n’aquella extremidade da terra, mas apenas uns grupos esparsos de tres ou quatro pedras, de que falla Strabão no livro III da sua Geographia, dizendo (edição de Amsterdam, 1707): Lapides multis in locis ternos aut quaternos impositos, etc.
Esta passagem de Strabão foi assim traduzida em 1867 por Amédée Tardieu: «Les seuls monuments qu’il y vit (Artemidoro) étaitent des grupes épars de trois ou quatre pierres, que les visiteures, pour obéir à une coutume locale, tournent dans un sens, puis dans l’autre, après avoir fait au-dessus certaines libations; quant à des sacrifices en règle, il n’est pas permis d’en faire en ce lieu, non plus qu’il n’est permis de le visiler la nuit, les dieux, à ce qu’on croit, s’y donnant rendez-vous.» O traductor relativamente ao uso local acima referido, declara ter assim interpretado o texto grego com M. Müller, porque a symetria da phrase torna d’este modo a leitura mais provavel que a dos manuscriptos, e accrescenta: «Reste à expliquer maintenant le sens d’un pareil usage» (pag. 223).
Tudo isto envolve alguma obscuridade, não se sabendo, se o auctor quiz dizer, que os visitantes, depois de feitas as libações, voltavam as pedras duas vezes, ora n’um ora n’outro sentido, ou se, tendo feito essas libações, eram elles que passavam duas vezes rodeando as pedras em sentidos oppostos, como parece mais provavel; porque se aquelles grupos de pedras constituiam monumentos, capazes de attrahirem visitantes, a quem se impunham as leis usadas no Promontorio Sagrado, não se póde racionalmente suppor que fôssem de tão minguadas dimensões, que qualquer visitante as podesse voltar duas vezes, deixando cada grupo reconstruido, nem que sobre ellas, sendo só tres ou quatro em cada grupo, e de pequeno volume, praticassem libações com todo o ceremonial obrigatorio.
Por isso, pois, estas ou outras considerações suscitaram ao barão de Bonstetten a idéa de considerar como dolmens os grupos de pedras que Artemidoro viu no Promontorio Sagrado, e de que Strabão deixou noticia, citando este seu contemporaneo e concidadão.
Antes, porém, do erudito barão de Bonstetten, no seu Essai sur les dolmens, publicado em 1865, ter interpretado a narrativa de Strabão como significando a existência de dolmens no Promontorio Sagrado, ainda no primeiro seculo christão, já fr. Bernardo de Brito a tinha aproveitado, infelizmente para querer provar uma das engenhosas invenções com que encheu os primeiros trinta capitulos da sua em grande parte idealisada Monarchia Lusitana. A este respeito refere pois o abalizado mestre da lingua portugueza:
«Mostravão-lhe tambem (os habitadores do cabo de S. Vicente a Hanon) grandes montes de pedra, juntos alli de tempo antiquissimo (de quem falla Strabo) reprovando a opinião de Ephoro, que negando haver alli templo (dedicado a Hercules), contava só d’estes cûmulos de pedra: & dizia d’elles, que os ajuntarão os Deoses por sinal & limite de se concluyr alli o mundo».
É possivel que Ephoro, que viveu uns tres e meio seculos antes de Christo, fallando em templos que havia no Promontorio Sagrado, quizesse referir-se aos monumentos de pedra que Artemidoro observou, porque já então as antas ou dolmens se considerassem como aras ou altares, e soubesse ou lhe constasse, que algum d’elles tivesse sido dedicado ao culto de Hercules pelos proprios naturaes do logar; pois o que Strabão refutára a Ephoro, pelo testemunho de Artemidoro, fôra a existencia de templo propriamente dito, que alli houvesse sido dedicado a alguma divindade.
Foram muitas as lendas que aquelles monumentos crearam na imaginação dos escriptores fabulistas, propondo alguns que eram o signal da sepultura de Thubal, neto de Noé, por todos apontado como primeiro povoador post-diluviano do torrão peninsular, a que acudiu tambem com grande symptoma de piedosa convicção o cisterciense fr. Bernardo de Brito, que a todos quiz exceder, indicando pelas suas tábuas chronologicas o anno 2009 antes de Christo, como sendo o do fatal passamento de Thubal, cujas principescas qualidades deixou engrandecidas por entre as fluencias da sua eloquente e vernácula dicção, occorrendo-lhe tambem que poderiam os taes montes de pedra ser d’aquelles a que chamavam Fieis de Deus, que os antigos costumavam levantar em logares ermos, em que alguma pessoa tinha sido morta, e a que os transeuntes juntavam sempre algumas pedras em signal de devoção; mas não se conforma este presupposto com a lição de Strabão, que bem claramente designa só tres ou quatro pedras em cada grupo.
Com todas estas noticias e tradições, embora nenhum vestigio apparente de dolmens exista hoje na região do cabo de S. Vicente, póde comtudo admittir-se que alguns d’esses monumentos ainda alli houvesse ha vinte e dois seculos, quando Ephoro os designou por templos e que ainda se conservassem, ha feitos 1800 annos, quando Artemidoro observou esses grupos de tres a quatro pedras, que na linguagem de Strabão eram monumentos. Por isso, pois, com as devidas reservas, vae indicado na carta prehistorica esse derradeiro ponto do Occidente com o signal symbolico correspondente ás antas ou dolmens (destruidos), que mui presumptivamente existiram sobre o solo.
Prova convincente de que as populações prehistoricas occuparam essa região é terem alli apparecido, e em outros logares proximos, muitos instrumentos de pedra polida, de fórmas neolitihicas. No capitulo competente descreverei um machado de pedra que alli comprei, pertencente á minha collecção depositada no museu archeologico do Algarve.» (a seguir).

VEIGA, E. da (1887) – Antiguidades Monumentaes do Algarve - Tempos Prehistoricosvol. II. Lisboa: Imprensa Nacional.

Instrumentos neolithicos isolados (Vol. II p. 311-314)
Sagres – Cabo de São Vicente (Vol. II p. 312)
«Pequeno machado, de configuração similhante á do antecedente, com o córte abatido. Tem de comprimento 0m,090, de largura 0m,045 e de espessura 0m,029. Comprei-o a um camponez, que me afiançou tel-o achado na fenda de uma grande rocha, já perto do mar, onde ha muitos penedos de enorme grandeza, accrescentando que outras muitas pedras de raio se têem por alli achado. Está depositado no museu e é figurado na estampa II com o n.º 3.
Este machado fez-me lembrar os cumulos de tres a quatro pedras, que Estrabão refere ter havido no Cabo de S. Vicente, e que o barão de Bonstteten entende terem sido antigos dolmens construidos n’aquella extremidade da terra. É mui provavel haver pertencido a algum monumento actualmente destruido, ou talvez já precipitado no mar; pois que mui visivelmente toda aquella ponta de terra, continuamente batida pelas aguas do oceano, tem soffrido mui sensiveis deslocamentos. Se os monumentos, a que se refere Estrabão, estavam mui propinquos ao mar, não foi outra, a meu ver, a causa do seu desapparecimento.»



1 «Artemidoro de Éfeso, que visitou a Península Ibérica na última década do século II a.C. (Pérez, 2000, pp. 31–37), foi autor de uma Geografia que, infelizmente, se perdeu. Tínhamos conhecimento da obra apenas por referências de outros autores antigos (como Estrabão) que a ela aludiram ou dela respigaram notícias. Mas, há poucos anos, reconheceuse um passo do texto perdido num papiro encontrado em Antaiúpolis (Egipto). O papiro contém também um mapa. O texto reportase à Península Ibérica e tem particular interesse para Portugal. O mapa é menos útil. Confirma que as obras geográficas dos autores antigos tinham (ou podiam ter) mapas. Mas o do papiro é dificilmente interpretável, até porque o desenho ficou incompleto e não foram nele inscritos os nomes de povoações nem de rios assinalados. Não é óbvio que se trate de mapa representativo da Hispânia ou de parte dela (Moret, 2003).»